Crianças e Adolescentes
A geração que nasceu sabendo

A geração que nasceu sabendo

Sempre que encontro um pai, um tio, um avô de criança pequena eles contam, com muito orgulho, as habilidades que a criança tem diante da tecnologia. Falam entusiasmos como os pequenos sabem ligar um smartphone, procurar vídeos, passar fotos; o quanto são espertos por apresentarem o desejo de mexer no computador ou no tablet. Logo em seguida vem a exclamação já esperada: “As crianças de hoje já nascem sabendo usar a tecnologia, que incrível!”

Não é incrível, é óbvio. Basta pesquisar um pouquinho e vamos descobrir que depois do quarto mês de gestação o feto já tem vários sentidos desenvolvidos, inclusive a audição. Alguns pesquisadores acham que ele até começa a apreciar música e a se acostumar com a linguagem. Sugiro a leitura do artigo “O feto aprende”, publicado pela revista Superinteressante, em julho de 2008, a respeito desse assunto.

O fato é que as mães (os pais também) recebem e absorvem muita informação, voluntária ou involuntariamente, além do mais, muitas gestantes utilizam aparelhos eletrônicos a maior parte do dia. Todos esses estímulos e informações são repassados ao bebê que fica ali na barriga ouvindo tudo o que acontece aqui, do lado de fora. Não é de se admirar que as crianças já nascem sabendo fazer tudo aquilo que suas mães fizeram durante a sua gestação.

Se agimos dessa forma em nossas casas, usando a todo o momento um smartphone, um computador, um tablet, a internet, por que não admitimos que a escola haja da mesma forma? Se brincamos com nossos jogos eletrônicos em casa, com nosso filhos, por que não brincarmos na escola? A sociedade forma o cidadão que entra na escola para ter uma continuidade dessa formação, mas a resistência em aceitar que a sociedade mudou ainda é muito grande, e refiro-me da instituição e dos profissionais que ali estão.

No final de 2013, apliquei um questionário com 160 professores que trabalharam com Programa Jornal e Educação durante o ano. Ao questionar a criação de recursos midiáticos diversos, capazes de promover o protagonismo dos alunos no ambiente escolar, 41 responderam que não incentivam porque:

1) falta tempo; 

2) existem muitos projetos para serem executados e muitos conteúdos curriculares para serem cumpridos durante o período letivo;

3) não há acesso à internet na escola;

4) os alunos não têm acesso a aparelhos eletrônicos;

5) insegurança.

Dos 119 que responderam que sim, que incentivam, a maioria refere-se somente à criação de jornal mural e mais da metade demonstrou não compreender a pergunta, dando respostas inapropriadas ao contexto.

Assisti recentemente a uma entrevista com a especialista em tecnologia Martha Gabriel, onde ela fala do acesso às TIC e os novos papéis de professores e alunos em um mundo em que real e virtual estão cada vez mais interligados. Para ela, o virtual tornou-se um espaço de registro e extensão das atividades do nosso corpo biológico – o que não pode ser ignorado no ambiente escolar. E o maior desafio dos educadores, hoje, é justamente encontrar uma maneira de saber utilizar todos esses recursos, acompanhando a rapidez com que os alunos renovam seu repertório de plataformas.

A especialista abordou uma questão delicada, que não é só a falta de estrutura que impede o avanço da tecnologia na escola, mas que a inciativa do professor em querer se aperfeiçoar para acompanhar esses avanços também é um fator que pode ser determinante.

Família e escola precisam enxerga que os jovens se relacionam com a tecnologia de forma fugaz. Outro ponto é descentralizar o conhecimento; não pode ser somente o professor nem somente o adulto o detentor do saber, da informação; não pode haver um único comunicador no espaço.

Participei recentemente da elaboração de uma estratégia pedagógica para o uso do jogo eletrônico SimCity4. Eu nunca tive jogos nas minhas disciplinas curriculares enquanto frequentava a escola e pouco jogava em casa nos momentos de lazer, situação diferente das crianças, adolescente e adultos que conheço hoje. Devido ao fascínio que os games causam em todas as faixas etárias, pesquisadores resolveram investigar maneiras de unir ensino e entretenimento visando à aprendizagem efetiva do aluno cercado por estímulos e que precisa de novas estratégias que proporcionem inovação, entusiasmo e tragam mais diversão para os momentos de estudo.

O SimCity, por ser um jogo de simulação, pode ser levado para todas as disciplinas curriculares, proporcionando um trabalho interdisciplinar (mais significativo), promover a atividade coletiva – em equipe – e a integração dos professores e entre alunos e professores.

Acredito que falta orientação aos professores sobre o que fazer com as possibilidades que a tecnologia traz para o ensino e a aprendizagem, bem como uma formação adequada, porém, mais do que isso, falta reconhecer as habilidades e as competências que o aluno adquire fora da escola e confiança para enfrentar e adequar-se ao meio que é e sempre foi mutável.

Para finalizar a discussão, faço um questionamento atual (2021): a pandemia trouxe aceitação da tecnologia e irá alertar as escolas para que promovam o letramento e a alfabetização digital, ou os profissionais da educação estão vendo as tecnologias como uma medida paliativa, que será abandonado quando tudo voltar “ao normal”?

Será que a tecnologia ficará nas escolas ou será abandonada assim que possível?

Este artigo foi publicado em minha coluna no Instituto Claro, em 28 de janeiro de 2014. Mas continua atual, não?

Fonte da imagem (com adaptação): Maquete psd criado por rawpixel.com - br.freepik.com

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2 thoughts on “A geração que nasceu sabendo

    • Author gravatar

      Talita, interesssante como esse mundo tecnológico ainda não chegou nas escolas, claro que a gente sabe da deficiência política quanto a internet de qualidade nas escolas, mas não é só esse ponto, para mim o principal está nas escolas, poisa sua conjuntura da mão de obra não tem interesse em aprender e muito menos aplicar. Pelo ao menos é minha visão no meu Estado, Piaui.

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