Crônicas
Vida de dona de casa não é fácil!

Vida de dona de casa não é fácil!

Crônica – Por Talita Moretto

Outro dia, minha filha de 4 anos estava brincando no pátio. Espalhou giz no chão, fez um monte de sujeira, pegou a vassourinha dela e me pediu uma pá. “Está na lavanderia”, respondi. Ela foi até lá e pegou a grandona, daquelas com cabo longo e que ficam apoiadas no chão. Com suas mãos pequenas e braços curtos segurou a longa pá e tentava varrer o pó com sua minúscula vassoura, com dificuldade em equilibrar os dois utensílios e ser bem-sucedida no seu propósito, pois o pó não seguia o caminho que ela esperava. Soltou: “Vida de dona de casa não é fácil!”

Na sua tranquilidade de ser brincante, ela nem percebe o que essa frase representa.  

Meu dia começa cedo. Na noite anterior, me despeço do marido e vou dormir na cama extra que fica no quarto do bebê porque o piá acorda centenas de vezes na madrugada… porque perdeu a chupeta, porque não tá legal a posição, porque sim. Tentei, algumas vezes, dormir na “minha cama”, mas ele sabe sobre minhas tentativas e duplica o número de vezes e motivos que o deixam inquieto se a mamãe não está no quarto dele. 

Há quem não acredite, mas eu não durmo há nove meses, desde que ele nasceu. Fora as inúmeras levantadas de madrugada, ele começa a ficar impaciente no berço cedo, e eu tento convencê-lo que ainda não é hora de levantar: “Xiiii, fica quietinho, descansa mais um pouco, vai acordar a irmãzinha”. Apelo para o emocional! Com os olhos arregalados ele parece entender, e fica quieto por poucos minutos; eu acho que cochilo nesse ínterim. Depois de umas cinco ou oito vezes fortalecendo esse discurso, penso: “Tá bom, já deve ser umas 7h30, vou fazer a mamadeira”. Desço para a cozinha e olho no relógio: ainda são 6h15 da manhã.  Isso significa que estamos nos enganando desde às 4h, mais ou menos. Até 7h30 estamos todos acordados, na sala de casa, brincando. 

Vou para a cozinha preparar a fruta, pois logo ele vai ficar com fome, ou dormir, porque se pensar bem está acordado desde muito cedo. Algumas vezes dorme antes da fruta, o que é ótimo! 

Ele começou a introdução alimentar aos seis meses e, embora eu não goste muito de cozinhar, faço tudo dentro dos conformes: fruta natural, nada de açúcar. Aprendi a fazer várias misturas bem saborosas sem um pingo de açúcar, e ele come bem. Para as refeições salgadas, tudo balanceado; porque precisa de carboidrato, de proteína, dois ou três legumes, uma batata para dar cremosidade e nada de sal, só temperos naturais. Passo um tempão na cozinha e faço um monte, daí congelo; o monte dura dois ou três dias, e vou eu de novo para a cozinha.

Ah! As refeições sempre com hora marcada: de duas em duas horas, e precisa seguir fiel, caso contrário, não tem como saber se a criança está bem alimentada ou passa fome, além de ser importante criar uma rotina de alimentação.  Entende como é importante que ele não tome mamadeira 6h30 da manhã? Se adiantar o mamá, come a fruta antes, consequentemente, o almoço. Ele não pode almoçar 10h, porque daí vai comer a fruta da tarde às 12h, com isso, janta às 15h, atrapalha tudo. Não, não! “Menino, se aquiete, é cedo!”, clamo eu com ele no berço. 

Ele dorme no meio da manhã. A filha mais velha quer atenção: “Mamãe, brinca comigo?”. “Já vou, deixa eu terminar a comida do bebê”, respondo.

Então faço tudo correndo: refogar carne, cozinhar os legumes, escolher o carboidrato do dia para ele não enjoar, né! Tudo equilibrado. No fundo, a filha chamando: “Vem brincar comigo, demora muito essas coisas de cozinha”. Ufa, terminei, sento: “Quer brincar do quê?” Mal termino a frase e a luz do monitor de bebê (nome bonito para a santa babá eletrônica) acende: o bebê acordou. É importante frisar que amo esses aparelhos modernos: posso ir para qualquer lugar e continuar monitorando o sono das crianças. O negócio funciona no claro e no escuro, acende a qualquer movimento ou ruído, toca música de ninar e ainda posso falar com as crianças por ali. Maravilhoso!

Voltando ao assunto… ela expressa: “Mas ele já acordou? Dormiu tão pouco!”. Mal ela percebeu que ele dormiu por 1 hora e 30 minutos, e que eu esperava isso desde que nasceu, pois seus soninhos sempre foram de 20 minutos. “O quê? Uma hora e meia!” Tipo assim, ele dormiu muito, mas eu fiquei cozinhando, e lavando, e organizando todo esse tempo. Primeira culpa do dia: não dou atenção para  filha mais velha. De manhã, tem três camas para arrumar, o lixo, repleto de fraldas, para retirar, a papinha para fazer, a louça para lavar, a roupa na máquina. Alguém precisa fazer! Olho o celular de tempos em tempos, respondo mensagens. Ainda não tirei o pijama, mas em um dia bom já escovei os dentes e penteei o cabelo. Sucesso!

Subo e desço escada, subo e desço escada, ando para lá e para cá.

O bebê acorda. Quer um pouco de colo. Aceita ficar no chão brincando. Minha sala é tipo um espaço kids: tem brinquedo por todas as partes. “Deixa, não vou arrumar!” O que importa é que fiquem ali enquanto executo as tarefas de casa.

Vou preparar o bebê para o almoço. Logo o marido chega, todos almoçamos. Ok, ainda é meio dia, “hoje vai dar tempo”, penso eu. A gente come, o marido sobe para fazer o bebê dormir (e dormir com ele), eu subo trocar a filha mais velha. “Vamos, para de enrolar!”, exclamo quando ela quer dançar ao invés de tirar a camiseta, fica cantarolando e demora para escovar os dentes, fica indecisa sobre o penteado favorito do dia. Terminamos. “Desça brincar, a mamãe vai se trocar”. Começo fazendo tudo rápido e achando que o tempo é suficiente. Ouço o barulho do portão, olho no relógio, já são 13h: a avó chegou para cuidar do bebê. Apreço para ficar pronta logo. Desço, converso com a avó, explico sobre as refeições prontas na geladeira, conto sobre o horário que o bebê almoçou e o tempo de sono. Beijo no bebê (que já acordou), na filha, no marido. E nunca pode esquecer de falar que ama todos, nunca! “Estou indo”. Já são 13h15 e minha expectativa de sair de casa pontualmente 13h, mais uma vez, não foi correspondida.

Vou para o trabalho, e trabalho. No fim da tarde volto correndo, porque a avó precisa ir embora, o bebê precisa tomar banho e ficar um pouco acordado porque se dormir muito cedo, mais cedo ainda ele começa a resmungar de madrugada. Daí a filha precisa jantar, tomar banho, brincar, dormir. Santo marido, que dá conta desta etapa; cada um para um lado! Já são 20h, todos os dois na cama. “Beijo, boa noite, durma bem, te amo”. Ainda tenho algumas pendências do trabalho pelos vinte minutos de atraso, e os trabalhos da faculdade (a segunda) para fazer. Quero escrever também, tenho um site, ele não pode ficar abandonado. Chovem e-mails com indicações de pautas, recursos, plataformas…. Preciso divulgar! Tenho também ideias para gravar vídeos, e muita coisa. Então pego o computador, mas corriqueiramente fico sem inspiração. Segunda culpa do dia: são apenas oito horas da noite, tão cedo, e minha energia é mínima para produzir e pensar. Impotente, me sinto fraca, “como não consigo?” E tem aquele monte de livros para ler e cursos para fazer. E me perguntam: “Já leu? Já fez?” Tenho vergonha de responder que não.

Chega final de semana. Trabalhos, textos para fazer… “Vamos viajar?” No fundo, não quero. Mas as crianças precisam passear, e toda vez que dou a ideia me arrependo, a terceira culpa, porque sou uma péssima mãe, que prefere ficar em casa do que demorar 4 horas para arrumar as crianças e as malas, colocar no carro, sair, carregar crianças e malas pelos lugares; eles ficam inquietos, saiu da rotina, é outra cama. Cansam. Isso atrapalha o sono porque dormem fora de hora e à noite, cadê o sono? Mais uma noite que durmo um pouco menos. E a alimentação? Bagunça tudo, ai ai ai.

Minha filha voltou para o ballet. “Claro que ela volta, imagina, eu levo”. É de manhã, às 10h. Isso significa que a partir das 8h eu começo: troco a roupa e fico pronta; dou a fruta para o bebê, coloco ele no berço, ligo música e encho de brinquedos; visto a bailarina, faço coque; troco o bebê, arrumo a bolsa. Coloco todos no carro. Dirijo até a escola e fico lá, com o bebê, esperando ela. Ele é grande e pesado, meus braços amortecem, mas é pior se eu voltar para casa porque ele vai dormir, e em 40 minutos a aula termina. Voltando para casa, os dois dormem no carro. Carrego os dois para dentro. Já atrapalhou toda a rotina porque ele vai demorar para acordar e vai almoçar bem na hora de eu me trocar para o trabalho. Mais uma vez, vou chegar atrasada.

Ah tah, nesse meio tempo, tomo banho, hidrato o cabelo – porque comecei a pintar com a chegada dos cabelos brancos e ainda não estou pronta para eles; é uma sequência de cremes usados sagradamente todo final de semana. Ainda tem a depilação, que precisa estar em dia. E as unhas, que após 24 anos fazendo em casa, me rendi aos serviços de uma manicure. Porque não pode deixar de se cuidar, é desleixo. “Arranja tempo, menina!” Não posso me sentir culpada por não parecer bem disposta.

E há quem olhe para mim, magricela após dois filhos e sem fazer academia, roupa alinhada, cabelo arrumado, blush e rímel, e diga: “Eu queria ser serena como você.” 

É, essa vida de dona de casa não é fácil mesmo, minha filha.

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