Um outro consumo tecnológico

Wendel Freire

A sociedade, para Guy Debord [no livro ‘A sociedade do espetáculo’], era caracterizada pelo empobrecimento dos seus indivíduos através do consumo passivo das imagens que deveriam suprir necessidades reais insatisfeitas. Hoje, diante de um novo modelo comunicacional no qual dispomos de tantas ferramentas de edição e produção, é necessário repensar a relação de consumo.

Para isso, podemos abrir Michel de Certeau e ver em suas páginas [‘A invenção do cotidiano’] que nossos dias não estão livres do controle e da vigilância [e do espetáculo], mas também não estão subjugados por inteiro. O que a palavra consumo sugere, inicialmente, é o ato de compra ou o uso conforme bula ou manual. Mas Certeau nos fala de uma produção que se desdobra ao consumir. Uma produção dispersa e astuta.
Nossos alunos têm bastante naturalizado o manuseio [ou consumo] dos multimeios, tanto no entretenimento dos jogos e das redes sociais, quanto na veiculação de suas produções em blog, fotolog ou youtube, mas carecem de foco, pois seu cotidiano é acelerado em multitarefas, e de uma orientação para a desnaturalização do processo comunicacional. Daí a dificuldade na construção de conceitos e na elaboração de um pensamento crítico.
Se, no trabalho pedagógico com as mídias tradicionais, já se apresentavam questões diversas, a cultura digital dá aos educadores ainda mais interrogações: quando acontecem as apropriações por parte de uma comunidade escolar e quando a tecnologia aparece somente como fetiche? Quando a tecnologia contribui para a formação de leitores e quando ela passa pelos olhos sem construir sentidos? Quando é tomada como espaço para a autoria por parte dos educadores e dos educandos, quando a tecnologia é veículo somente para a transmissão e a reprodução?
Quem pensa no processo de ensino-aprendizagem unidirecional colide com um educando habituado à multidirecionalidade. O aluno é um ouvinte-espectador-leitor em um novo contexto comunicacional, no qual passa a produzir e veicular com grande facilidade e liberdade seus conteúdos. Este novo contexto, se bem explorado por um professor investigador de suas práticas, pode se revelar bastante proveitoso na transformação coletiva de informação em conhecimento.
A cultura emergente na rede [a chamada cibercultura] deve ser alvo de uma apropriação pedagógica que tenha no olhar alguns questionamentos. O que é a interatividade além de uma palavra bastante desbotada pelos usos comerciais? O que é dialogicidade e onde ela de fato está presente? E hipertextualidade… como a noção de texto se altera com o ambiente digital? Já não basta pronunciar tanto esses termos sem vê-los, de fato, no cotidiano escolar?
Vencer a aceleração desmedida significa assumir compromissos que as lan houses e seus empreendedores não têm como assumir: a formação de leitores-ouvintes-espectadores críticos, mas também, e principalmente, de produtivos emissores de textos diversos. Para não confirmarmos a concepção de sociedade como massa passiva e disciplinada, busquemos, enquanto educadores, fomentar a expressão e a produção criativa no consumo.

*Wendel Freire (wendel@odianet.com.br) é mestre em Educação (UFF), coordenador pedagógico do projeto O DIA na Sala de Aula, professor da Faculdade Souza Marques (RJ), organizador dos livros  ‘Tecnologia e Educação: as mídias na prática docente’ e ‘Ensino-Aprendizagem e Comunicação’, ambos da Wak Editora. 

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