Reflexões de Jesús Martín-Barbero sobre a relação “comunicação e educação”
No ano passado eu comprei “alguns” livros, dentre eles, obras que abordavam a educomunicação. Como de costume, o número de títulos adquiridos foi superior ao tempo disponível para ler todos. Eis que retomando a leitura do “Educomunicação: construindo uma nova era de conhecimento”, organizado por Adílson Odair Citelli e Maria Cristina Castilho Costa (2011), me deparo com o artigo “Desafios Culturais: da comunicação à educomunicação” (p. 121-134), escrito por Jesús Martín-Barbero – originalmente publicado na revista Comunicação & Educação nº 18, em 2000. Jesús Martín-Barbero é semiólogo, antropólogo e filósofo colombiano, um dos expoentes nos Estudos Culturais contemporâneos. É autor do livro “Dos Meios às Mediações”.
O texto chamou a minha atenção por ter sido escrito em 2000, porém com reflexões, visões e constatações mais atuais que muitos estudos acerca da relação mídia-educação, ou tecnologia e educação. “(…) sou dos que pensam que nada pode prejudicar mais a educação do que nela introduzir modernizações tecnológicas sem antes mudar o modelo de comunicação que está por debaixo do sistema escolar”, escreve ele na introdução do artigo.
Eu fiz alguns recortes das principais colocações do pesquisador – diante das quais procurei não colocar minha opinião para não interferir da interpretação de cada um – para discutirmos sobre o rumo que a tecnologia está tomando dentro das instituições de ensino. Uma boa reflexão a todos!
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“O modelo predominante é vertical, autoritário na relação professor-aluno e linearmente sequencial no aprendizado. Introduzir nesse modelo meios e tecnologias modernizantes é reforçar ainda mais os obstáculos que a escola tem para se inserir na complexa e desconcertante realidade de nossa sociedade. (…) Enquanto permanecer a verticalidade na relação docente e a sequencialidade no modelo pedagógico, não haverá tecnologia capaz de tirar a escola do autismo em que vive. Por isso, é indispensável partir dos problemas de comunicação antes de falar sobre os meios”.
Ele afirma que os mais jovens têm maior empatia cognitiva e expressiva com as tecnologias e com os novos modos de perceber o espaço e o tempo, a velocidade e a lentidão, o próximo e o distante. “Trata-se de uma experiência cultural nova, ou, como chamou Walter Benjamin, um sensorium novo. Novos modos de perceber e de sentir; uma nova sensibilidade que, em muitos aspectos, se choca e rompe com o sensorium dos adultos.”
“Dos mosteiros medievais às escolas de hoje, o saber conservou esse duplo caráter de ser, ao mesmo tempo, centralizado e personificado em figuras sociais determinadas. (…) E é aí que se situa a segunda dinâmica que configura o ecossistema comunicativo no qual estamos imersos: o saber é disperso e fragmentado e pode circular fora dos lugares sagrados nos quais antes estava circunscrito e longe das figuras sociais que antes o administravam”.
“A escola deixou de ser o único lugar de legitimação do saber, pois existe uma multiplicidade de saberes que circulam por outros canais, difusos e descentralizados. Essa diversificação e difusão do saber, fora da escola, é um dos desafios mais fortes que o mundo da comunicação apresenta ao sistema educacional”.
“Diante de um professor que sabe recitar muito bem sua lição, hoje senta-se um alunado que, por osmose com o meio ambiente comunicativo, está embebido de outras linguagens, saberes e escrituras que circulam pela sociedade”.
“(…)Infelizmente, nossa escola não é um espaço para a autodeterminação; consequentemente, não é um lugar para aprender a conviver e a harmonizar. (…) Estou questionando uma escola que, no seu dia a dia, não educa democraticamente, por mais que dê cursos de educação cívica e urbanidade. Não se aprende a ser democrático em cursos sobre a democracia; aprende-se a ser democrático em famílias que admitem pais e filhos não convencionais, em escolas que assumem a dissidência e a diferença como riqueza, com meios de comunicação capazes de dar, verdadeiramente, a palavra aos cidadão”.
O pesquisador destaca que a escola utiliza o meio televisivo, por exemplo, para estudar sempre a mesma coisa, “por isso ela continua vendo nesses meios unicamente uma possibilidade de ilustrar o que se diz, de tornar menos aborrecida a lição, de amenizar algumas jornadas de trabalho, presas da inércia mais insuportável”.
Ao abordar a leitura e a importância social do livro para alfabetização, acesso à cultura letrada e escrita, ele coloca: “O livro não está acabando e não vai acabar, ao contrário, cada vez se vão ler mais livros, incluídos aí textos de multimídia, que não são o contrário do livro, mas sim outro modo de escrita e outro objeto de leitura”.
“O problema está em saber se a escola vai ser capaz de ensinar a ler livros não só como ponto de chegada, mas também de partida para outra alfabetização, a da informática e das multimídias. Isso implica pensar se a escola está formando o cidadão que não só sabe ler livros, mas também noticiários de televisão e hipertextos informáticos”.
“O cidadão de hoje pede ao sistema educativo que o capacite a ter acesso à multiplicidade de escritas, linguagens e discursos nos quais se produzem decisões que o afetam, seja no campo do trabalho, seja no âmbito familiar, político e econômico. (…) Para tanto, necessitamos de uma escola na qual aprender a ler signifique aprender a distinguir, a tornar evidente, a ponderar e escolher onde e como se fortalecem os preconceitos ou se renovam as concepções que temos sobre política, família, cultura e sexualidade.”
“(…) Vemos que há uma carência de demandas de comunicação no espaço educativo e que o acesso a elas não é democrático. (…) É a partir do entendimento de que há uma carência dessas demandas que se verá a necessidade de diferenciar a televisão educativa dos diversos modos de fazer educação pela televisão (…).”
O chileno Martin Hopenhayn (“Ni apocalípticos ni integrados”. Santiago: F.C.E., 1994), citado por Barbero no texto, traduz em três objetivos básicos os códigos de modernidade: formar recursos humanos, construir cidadãos e desenvolver sujeitos autônomos.
“Não se trata de subordinar a formação à adequação de recursos humanos para a produção, mas sim de a escola assumir os desafios que as inovações tecnoprodutivas e relativas ao trabalho apresentam ao cidadão em termos de novas linguagens e saberes. (…) Construção de cidadão significa que a educação tem de ensinar as pessoas a ler o mundo de maneira cidadã”.
“A educação tem de ajudar a criar nos jovens uma mentalidade crítica, questionadora, desajustadora da inércia na qual as pessoas vivem, desajustadora da acomodação na riqueza e da resignação na pobreza”.
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