OPINIÃO] “Pelo fim dos templos do saber inalcançável”, por Alexandre Sayad

“Fiquei chocado ao saber que 85% das escolas de São Paulo não têm acervo de livros e que no Maranhão as que têm somam pífios 6%”

PELO FIM DOS “TEMPLOS DO SABER INALCANÇÁVEL”

Artigo de Alexandre Le Voci Sayad

Fonte da Imagem: www.sxc.hu
Fonte da Imagem: www.sxc.hu

O Estadão revelou recentemente, em reportagem baseada em uma análise do Todos Pela Educação sobre dados do Censo Escolar**, que nem um terço das escolas públicas do pais possuem biblioteca. O rastilho de pólvora da informação correu os veios das redes sociais e colegas e amigos logo repercutiram a barbárie. Eu fui um que fiquei chocado ao saber que 85% das escolas de São Paulo não têm acervo de livros e que no Maranhão as que têm somam pífios 6%.

O problema de dados como este são os buracos maiores que eles escondem – acreditem, a tragédia é mais complexa e, como sempre, esbarra na gestão. O que os números ocultam é como funcionam as poucas bibliotecas que existem.

Livros fechados em prateleiras são tão inúteis quanto a falta deles. Muitas das escolas que têm um acervo não têm programas ou metodologias que estimulem a criança e o jovem a abrir um livro e iniciar um gosto pelo universo literário. Não é incomum, Brasil afora, bibliotecas fechadas a chave, com horários de funcionamento curtos; o argumento para isso beira a mediocridade. Em minha vida de repórter cansei de escutar que os livros ficavam guardados porque os estudantes acabam por “estragá-los”.

Não diferente é, muitas vezes, a situação das salas de informática; gestores preocupados em manter os equipamentos “em ordem” limitam o seu uso.

Ora, se todas as pesquisas apontam a crise da escola pública como uma questão de apelo e sentido, ou seja, o estudante do ensino evade principalmente porque a escola não cria vínculos com ele, a multiplicação de tecnologias educativas que conectem jovens aos livros e à internet deve ser prioridade. Uma questão de gestão porque tange pela enésima vez a formação dos gestores e professores das instituições públicas.

Não nego que o acesso aos livros é um primeiro passo, mas não é suficiente; as bibliotecas precisam existir, mas hoje não há governos que gastem dinheiro em metodologias adequadas. A sociedade civil já desenvolveu dezenas de projetos de círculo de leituras e de produção de comunicação por jovens, mas têm dificuldade em criar alianças com o poder público para multiplicá-las em escala nacional.

Engana-se quem pensa que essa questão é apenas brasileira. As escolas canadenses começaram a sentir falta de frequência nas suas bem equipadas bibliotecas e resolveram isso de uma maneira simples, mas ousada: reinventaram-na, dessacralizando o livro e valorizando a linguagem. A estratégia foi aproximar os vídeo-games do mesmo espaço.

Em entrevista para o site Cult Montreal, o CEO do arquivo nacional de Bibliotecas de Quebec, Dr. Guy Berthiaume, diz tratar-se de um efeito semelhante quando os quadrinhos e os jornais passaram a dividir espaço com a chamada “alta literatura”, para atrair públicos mais jovens às bibliotecas. Novas linguagens se complementam num mesmo espaço e, segundo ele, uma estimula a outra.

Alguns especialistas americanos vão um pouco além. A biblioteca atual deve ser um espaço de eventos, tecnologia e criação. No caso, há o resgate da velha garagem novamente em cena, como espaço criativo.

Nesse sentido, devia preocupar os governos menos a meta de construção de 130 mil bibliotecas até o final de 2020, mas o que fazer para que as existentes não se tornem almoxarifados higiênicos ou templos de um saber inalcançável.

ALEXANDRE SAYAD (alevoci@gmail.com) É JORNALISTA E EDUCADOR. DESENVOLVE PROJETOS INTERDISCIPLINARES COM FOCO EM EDUCAÇÃO PARA ESCOLAS, GOVERNOS E EMPRESAS. É AUTOR DO LIVRO IDADE MÍDIA: A COMUNICAÇÃO REINVENTADA NA ESCOLA, PUBLICADO PELA EDITORA ALEPH.

**O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2012 (baixe aqui), uma publicação realizada através de uma parceria entre a Editora Moderna e o Movimento Todos pela Educação, revelou ainda que o Brasil tem uma população escolar expressiva de mais de 45 milhões de crianças e jovens entre 4 e 17 anos. A Avaliação Brasileira do Ciclo de Alfabetização (Prova ABC) – divulgada em 2011 – mostrou que 51 em cada 100 crianças da rede pública não aprenderam o adequado em relação à leitura para o 3º ano do Ensino Fundamental. E mais: o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf) , cujo o objetivo é medir as habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos brasileiros entre 15 e 64 anos de idade, revelou que 31% dos adultos brasileiros com idade entre 35 e 49 anos são considerados analfabetos funcionais.

>>Segundo a lei 12.244, é obrigatória a existência de um livro por aluno em cada instituição de ensino pública ou privada., o que não está sendo cumprido. Ouça a entrevista que Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação, concedeu ao Rádio Estadão sobre o assunto. Clique aqui.

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