Para viver em comunidade não é preciso estar perto
Viver em comunidade não significa habitar um único espaço, mas podem ser vários, em diferentes momentos ou ao mesmo tempo, desde que tenhamos os mesmos propósitos que os outros “habitantes” têm
Por Talita Moretto
Acho interessante quando as pessoas mencionam a palavra comunidade para se referir ao bairro, vila ou escola, mesmo que, na maioria das vezes, o conceito seja mais bonito que o entendimento da palavra: conjunto de indivíduos com características comuns que habitam um mesmo espaço – está no dicionário, livro que, aliás, todos deveriam usar mais vezes e acabar com o preconceito de que somos obrigados a conhecer tudo. Mas, sem delongas, eu quero chegar nas “comunidades online”, nos habitats digitais.
Já que a necessidade de viver em rede – o que eu interpreto como viver em comunhão, partilhando com os demais – está migrando do espaço físico para o virtual (e deste para aquele também), é importante conhecer esses habitats digitais onde as comunidades virtuais, formadas por muito jovens, se configuram.
Além do conceito de redes sociais, relacionadas ingenuamente apenas ao Facebook, ao Twitter e similares, existem as comunidades de prática (termo criado pelo estudioso da educação, Etienne Wenger, para designar um grupo de pessoas que se unem em torno de um mesmo interesse e trabalham juntas para achar meios de melhorar o que fazem, através da interação regular), dentro de habitats digitais.
Em termos conceituais, o habitat apresenta uma relação dialética entre o ambiente (espaço) e a espécie (nós!), tem caráter dinâmico e é dotado de elementos específicos que promovem a interação dos participantes. Um habitat, obrigatoriamente, precisa promover uma aproximação do meio com o ser.
Quando nos sentimos bem em um local a tendência é permanecermos ali por mais tempo; exercemos atividades que contribuem com as ações dentro desse local, interagimos com os outros seres que dividem esse espaço, agimos e construímos juntos porque somos motivados para isso; ficamos engajados em várias causas.
No mundo online acontece a mesma coisa. Ninguém estaria no Facebook se sentisse mal no ambiente. Por isso, redes de aprendizagem online estão sendo criadas para chamar o jovem a participar de uma comunidade de prática, em um habitat digital, com fins educacionais, mas que, ao mesmo tempo, apresente características divertidas que promovam a interação e estimulem a participação. Essas redes, inclusive, auxiliam as equipes gestoras e os corpos docentes das escolas no aperfeiçoamento de práticas pedagógicas para além da sala de aula.
Como exemplo, temos o Brainly – este favorece a formação de grupos de estudo online e estimula que um aluno ajude o outro, atribuindo pontos a quem colaborar mais e emblemas, como reconhecimento e mérito; a Escol@21; o Edmodo – que possibilita a criação de uma sala de aula na internet, com participação ativa de alunos e professores; o Edukatu; e, recentemente, o Instituto Crescer para a Cidadania criou o curso Aprender em Rede para fomentar a prática de trabalho por projetos colaborativos online e para promover a troca de experiências regionais e culturais, entre alunos de escolas públicas e privadas do Brasil.
Quando um espaço apresenta ferramentas corretas, facilita a navegação dos participantes, promove ações colaborativas a fim de que todos os membros da comunidade contribuam para o crescimento do espaço e do grupo, ele configura-se como uma comunidade de prática relevante.
Wenger pontua quatro perspectivas que são importantes para um habitat digital: 1) “ferramentas” para dar suporte às atividades dentro da comunidade; uma “plataforma” bem estruturada para a apresentação dessas ferramentas; “particularidades” da plataforma tornando as ferramentas utilizáveis e suscetíveis de serem vividas; e uma boa “configuração” das tecnologias digitais que sustentam o habitat, a fim de haver engajamento e participação dos usuários.
Outro estudioso chamado Olli-Pekka Pohjola, em seu texto “Design Principles for a New Generic Digital Habitat” elencou onze princípios dos habitats digitais. O primeiro deles é que o habitat digital é construído a partir de metáforas conceituais que os humanos utilizam, em outras palavras, fazer no ambiente online o que fazemos na vida real. Então, se necessitamos estudar e tirar as nossas dúvidas com professores e colegas, por que não o fazemos por intermédio da internet e da web? Um ambiente útil quando os alunos estão em seus lares e não conseguem se deslocar fisicamente para encontrar o seu tutor. Esse complementa o segundo princípio, de que um habitat digital está ligado às necessidades básicas dos humanos, e com o terceiro, de que é centrado na atividade humana.
Em muitas situações, existe partilha de conceitos entre habitats físico e digital, já que os digitais tendem a articular-se e têm continuidade com os físicos. Muitas plataformas criadas para abrigar as comunidades online, na área da educação, partem da ideia de que a sala de aula física pode estender-se para uma sala de aula virtual, sem perder as potencialidades.
A maioria das comunidades de aprendizagem encontradas hoje na web são verdadeiros habitats digitais porque promovem o trabalho colaborativo, possibilitam o armazenamento e a organização da informação que é distribuída e promovem a comunicação entre os usuários; como também favorecem a participação dos estudantes através da promoção de diálogos múltiplos de forma assíncrona.
Isso tudo me diz que viver em comunidade não significa habitar um único espaço, mas podem ser vários, em diferentes momentos ou ao mesmo tempo, desde que tenhamos os mesmos propósitos que os outros “habitantes” têm.