Opinião] A Informática, as TICs e a Educação

Aluno adaptado à tecnologia não significa que, sozinho, consiga guiar-se pelos caminhos do conhecimento

Foto: Collin Knopp-Schwyn / photopin.com
Foto: Collin Knopp-Schwyn / photopin.com

Por Talita Moretto

Recentemente, eu resolvi dar uma “olhada” nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Pcnem), documento oficial do Ministério da Educação (MEC), escrito no ano 2000. Aviso, antes de continuar esta conversa, que não li o texto na íntegra, mas analisei a parte que era pertinente a esta reflexão.

Na parte II – sobre “Linguagens, Códigos e Tecnologias” – é onde encontramos a defesa da informática nas escolas, e ali também está claro que as competências e as habilidades a serem desenvolvidas dizem respeito à necessidade de aproximar a informática da vida sociocultural dos alunos, relacionando o computador com casos reais e do cotidiano. Na página 62, lê-se: “reconhecer a informática como ferramenta para novas estratégias de aprendizagem capazes de contribuir de forma significativa para o processo de construção do conhecimento nas diversas áreas”.

O problema é que o Pcnem já completou 14 anos e eu desconheço uma escola pública que tenha a disciplina de informática no currículo. Aliás, não são muitas as escolas que possuem um laboratório de informática; quando há o espaço, nem todos os computadores funcionam satisfatoriamente e em algumas instituições existem salas que permanecem trancadas, sem uso, sem acesso pelos alunos devido à falta de um monitor ou algo nesse sentido.

O atual cenário da educação pública brasileira é composto por instituições de ensino que ainda carecem de uma estrutura de informática eficiente para a realização plena de atividades que contemplem tecnologia e, acima de tudo, falta formação adequada aos professores para que estejam adaptados ao perfil do aluno da sociedade contemporânea. Ainda mais preocupante: há muitos problemas no diálogo entre o mundo externo e mundo interno escolar.

O que aconteceu durante todos esses anos que impediu a efetividade desse parâmetro?

Vale ressaltar que o Pcnem, de acordo com informações no próprio documento, foi elaborado com a intenção de servir de estímulo e apoio à reflexão sobre a prática diária, ao planejamento de aulas, ao desenvolvimento do currículo escolar e à atualização profissional.

A principal questão que me surgiu seria a de investigar se a inserção da disciplina de informática seria mesmo capaz de contribuir para uma mudança de postura do professor que, ao ser incentivado a usar um computador, perceberia que o instrumento pode trazer oportunidades para a criação e a promoção de projetos educativos colaborativos, estimulando a participação dos estudantes no processo de ensino e de aprendizagem, ou seria apenas uma máquina inanimada dentro da escola.

Posso citar aqui Piaget e Vygotsky, pois ambos defendem a importância das trocas sociais para a promoção da aprendizagem, por estimular a cooperação e a colaboração entre os jovens. E hoje falamos tanto sobre usar o potencial comunicativo deles na aprendizagem colaborativa; a informática então seria uma estratégia interessante. No entanto, a prática somente integrará o sistema de ensino quando o professor mudar sua conduta diante dos alunos, saindo da função de transmissor/ditador do conhecimento para guia, aquele que auxilia na exploração dos caminhos e que orienta os alunos nas suas descobertas.

A controvérsia nessa história é que em uma sociedade onde a informação está presente em diferentes canais de transmissão, o professor ainda espera encontrar, no horário individual da aula de sua disciplina, um jovem alheio aos acontecimentos de sua própria comunidade; ignoram-se as vivências como se o aprendizado acontecesse somente entre as quatro paredes e no período de cinquenta minutos. Vale recordar que o grande educador Paulo Freire – cujos livros são lidos e os ensinamentos seguidos por muitos professores – anos antes de a internet ter tanto poder de infiltração na vida cotidiana, social e educacional dos cidadãos, previa a necessidade de adaptação às novas realidades que eram colocadas aos professores. “Por que não estabelecer uma intimidade entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?”, questionou em seu livro “Pedagogia da Autonomia”*.

Eu não defendo que a tecnologia deve ser usada em prioridade e em tempo integral, a minha defesa é para a necessidade e para a urgência de haver uma adaptação à demanda social; é necessário e urgente cumprir o que se coloca no papel; é urgente organizar o sistema de ensino de forma a mostrar que tecnologia em sala de aula não é entregar um computador para cada aluno e ensiná-lo a ficar sozinho, em seu quadrado, digitando. É necessário compreender o que são as TICs e de que forma elas podem potencializar a aprendizagem, é necessário haver disposição para “conhecer” o cidadão que está sendo formado fora da sala de aula.

O fato (porque é fato, não pressuposição) de o aluno estar adaptado e ter facilidade de manusear instrumentos tecnológicos não significa que ele consiga, sozinho, com seus poucos anos de vida, guiar-se pelos caminhos do conhecimento. Qual é o papel do professor, do Pcnem, da informática, da escola e da família na formação desses jovens?

*FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

 
Net-EducacaoPublicado no Portal NET Educação, no dia 12 de agosto de 2014.
Adital-JovemPublicado na Agência de Notícias Adital Jovem, no dia 14 de agosto de 2014.
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4 thoughts on “Opinião] A Informática, as TICs e a Educação

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      Trabalho na Rede Municipal de Santa Cruz do Sul – RS e temos a disciplina de informática no currículo, para os oitavos e nonos anos do ensino fundamental, a mais de 5 anos. Não funciona em todas as escolas da rede, somente nas que possuem professores concursados de informática.

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      Olá Talita, como professor concordo com a sua reflexão sobre a inserção da informática na grade curricular das escolas públicas brasileiras, porém, isso deveria ser feito desde as séries iniciais do ensino fundamental e poderíamos usar não o termo “informática”, pois soa como algo estritamente técnico. Acredito que o termo mais adequado seria “educação digital”. Isso talvez resolveria a questão pedagógica do uso da tecnologia no chão da escola, porém, a formação de docentes também deveria ter essa “educação digital” ou “ferramentas digitais de aprendizagem’ inclusa em seu currículo, com laboratórios e conectividade adequados.
      No Paraná existem cursos técnicos de informática integrados e subsequentes no ensino médio e são modalidades de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – 9.394/96), porém o que é exceção, deveria ser regra.

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        Olá Luiz Ricardo,
        também concordo com você. O termo “informática” não é o adequado, apenas usei por estar no documento que analisei na escrita do artigo.
        Como você mesmo coloca, deveria haver uma formação adequada para a educação digital ser efetiva nas escolas de forma a inserir a instituição de ensino na contemporaneidade.
        A discussão é longa e as possibilidades não param de crescer. Ainda acredito que quando os professores perceberem o seu potencial (que é enorme) de inovar poderão começar a promover as mudanças necessárias em suas escolas, em suas turmas, em seu ambiente. Se a ação for sistematizada, com apoio das esferas superiores (estados, ministérios, etc.), seria perfeito.

        Obrigada por suas contribuições. Volte mais vezes!

        Abraços,
        Talita.

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