Opinião – "A Escola no Divã"
Compartilho com vocês artigo do professor Geraldo Peçanha de Almeida.
A ESCOLA NO DIVÃ
A escola está em crise. A escola está triste, deprimida, doente. A escola precisa de ajuda. A escola está angustiada, mas a escola não pede socorro! Já faz algum tempo, no mínimo cem anos, que a escola não comunga os desejos da sociedade. Sabe-se que a escola nem teria este papel. Este dever de estar ao lado da sociedade da qual faz parte não pode ser o único papel da escola. A escola pode caminhar um pouco à frente ou um pouco atrás de uma sociedade e mesmo assim refletir nela suas interferências. Tudo que a escola produz sai da sociedade e volta para ela. A escola tem uma incrível capacidade de ouvir, processar, reproduzir ou até mesmo transformar os desejos de uma sociedade. Provocar então, nem se fala. Assim, tem-se a constatação que ao mesmo tempo é a escola fruto de um povo e utopias dele, utopias que por competências e diálogos, tornar-se-iam possibilidades.
No entanto, tem-se constatado, a olhos nus, a dissociação da escola com seu tempo. A diferença, tanto cronológica quanto utópico-filosófica, tem ficado tão gritante que já não sabemos mais o que quer a escola. Se a sociedade quer sujeitos que saibam ler e interpretar aquilo que acessam a escola não pode mais contribuir com isto – vide PISA. Se a sociedade quer cidadãos que possam trabalhar em equipes, organizados em pequenos ou grandes grupos, não será a escola que vai ensinar isto a seus meninos e meninas – vide depoimentos dos empresários. Se a sociedade espera que nela os homens possam conviver com as diferenças, respeitando e suportando as diferenças, não é da escola que podem sair estas cabeças – vide confusão em torno do kit gay . Assim, pergunta-se: para que serve a escola então?
Seja pública ou privada o problema não se difere na essência. Uma nuance diferente aqui e outra ali, mas o centro do problema tem sido, assustadoramente um só – a escola não sabe mais nem para que educar. Os educadores estão em crise; a escola está em crise e os governos mundo afora estão em crise. Não tínhamos formação, hoje temos (na verdade ainda insuficiente, mas bem melhor que cem anos atrás). Não tínhamos computadores e hoje temos. Não tínhamos fonte de informação e hoje temos. Temos e não sabemos como utilizar essas ferramentas para melhorar nossas ações educativas. Pesquisas sérias apontam que professores não querem utilizar nada muito trabalhoso, seja computador ou planos diferenciados de aulas. Eles querem sim, há 500 anos, usar quadro e giz e alunos enfileirados. Alguns dizem que nem é possível inovar porque escola é escola. Livros os alunos não gostam de ler (segundo pesquisas), mas meninos e meninas passam de 5 a 6 horas diárias nos computadores – lendo, e os educadores insistem em dizer que não conseguem despertar a paixão pelas palavras. Quer dizer, alguma coisa está fora do eixo e alguém tem que pensar nisto agora, urgente, caso contrário corremos o risco, iminente, de a escola ser declarada – patrimônio sem utilidade pública.
Ao invés de lançar um olhar investigativo sobre suas práticas pedagógicas, a escola insiste em se intrometer ( para não correr o risco de ser mal educado), nas questões familiares. Por todo lado o que tenho visto são as escolas fazendo projetos para a formação de valores (valores delas, não da sociedade). Tem escola que diz formar um aluno capaz de transformar realidades. Tem escola jurando que com seus projetos os alunos irão salvar o meio ambiente. Tem escola até que já estruturou uma “escola de pais”. Parece até piada, mas é verdadeira a informação. Uma escola que nem consegue lidar com as questões de seus alunos (problema de aprendizagem e de relacionamento humano), agora resolveu lidar com os problemas dos pais dos seus alunos. Conheço inúmeras escolas que já possuem tutorias (Socorro Ministério público! Art. 5º do ECA nelas). Assim sendo pergunto: Que lei é esta que embasa a escola a operacionalizar essas ações? Quem preparou a escola para tanto? Quem disse que a escola está autorizada a invadir a família? Quem irá educar os filhos se a escola está educando os pais?
A escola concluiu (apressadamente) que todo o problema vivido por seus alunos está justificado pelas supostas famílias desestruturas. Assim, segundo ela (escola), se essas instituições reenquadrarem as famílias os alunos automaticamente chegarão ao eixo – ledo engano. Acontece que o que a escola espera é poder colocar a família em padrões que ela supostamente acredita serem os ideais para educar os filhos destas famílias e agora as famílias. Há uma inocência (ou perversão) nesta ideia que chega até a dar pena (ou medo), pois muitos educadores de peso aderiram a isto. Há uma dificuldade enorme em a escola entender que não tem mais somente aquela família perfeita em que pai e mãe, íntegros e exemplares podiam construir filhos do mesmo naipe. A sociedade é múltipla como múltiplo é o universo. Diversidade já! Há uma dificuldade da escola em encarar esta frustração, que advém da não existência da família perfeita e da sociedade não corrompida e que faz-me concluir, portanto, que é hora de a escola ir ao divã. Levemos a escola ao psicanalista e lá digamos a ela: fale-me de suas angústias.
Por que é tão difícil aceitar as mudanças do tempo e trabalhar com alunos e famílias reais? Por que não entender que esta é a sociedade que temos e é com esta e para esta que a escola está servindo? Por que desviar o papel da escola – gerenciar as aprendizagens com quaisquer que sejam as dificuldades dos alunos? Por que abandonar o barco na hora em que a sociedade mais precisa de conhecimento e não somente de informação? Esta constatação me faz lembrar a metáfora oriental do homem que tentava matar a sede com a água do mar. Quanto mais ele tomava água mais sede tinha. Assim tenho visto a ação da escola hoje. Quanto mais ela educar (ou vive a ilusão de que faz), mais a sociedade se apresenta corrompida ( claro que não só por culpa dela, mas também por culpa dela). Combate-se preconceito, corrupção e violência com conhecimento. Assim, é preciso tratar a escola, é preciso um tratamento sistêmico e multidisciplinar: terapeutas, assistentes sociais e médicos urgente. Diagnóstico e prognóstico para nosso mais grave paciente.
A verdade é que pais, sociedade e famílias em geral podem colaborar com educação formal, mas o prioritário do processo ninguém vai tirar da escola. É a escola a instituição social que nós, sujeitos-cidadãos, empodeiramos para educar nossos filhos. Porém, se a escola não pode ou não quer mais fazer isto, seria melhor cuidarmos de sua saúde biopsicossocial, pois do jeito que estamos indo e o ponto aonde chegamos não tem mais solução se não fizemos, urgentemente uma bateria de exames a fim de descobrir o que está acontecendo. Chek up nela.
Conheça mais sobre o trabalho do professor Geraldo no website: www.geraldoalmeida.com.br
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Este artigo não pode ser replicado sem autorização do autor. Contato: Prof. Dr. Geraldo Peçanha de Almeida – geraldo@geraldoalmeida.com.br.