Emília Ferrero, a estudiosa que revolucionou a alfabetização
A psicolinguista argentina desvendou os mecanismos pelos quais as crianças aprendem a ler escrever, o que levou os educadores a rever radicalmente seus métodos.
Nenhum nome teve mais influência sobre a educação brasileira nos últimos 20 anos do que da psicolinguista argentina Emilia Ferreiro. A divulgação de seus livros no Brasil, a partir de meados dos anos 80, causou um grande impacto sobre a concepção que se tinha do processo de alfabetização, influenciando as próprias normas do governo para a área, expressas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Suas obras não apresentam nenhum método pedagógico, mas revelam o processo de aprendizado das crianças, levando a conclusões que puseram em questão os métodos tradicionais de ensino da leitura e da escrita.
Emilia Ferreiro se tornou uma espécie de referência para o ensino brasileiro e seu nome passou a ser ligado ao construtivismo, campo de estudo inaugurado pelas descobertas a que chegou o biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) na investigação dos processos de aquisição e elaboração de conhecimento pela criança – ou seja, de que modo ela aprende. Emilia estudou e trabalhou com Piaget.
Tanto as descobertas de Piaget como as de Emilia levam à conclusão de que as crianças têm um papel ativo no aprendizado. Elas constroem o próprio conhecimento – daí a palavra construtivismo.A principal implicação dessa conclusão para a prática escolar é transferir o foco da escola – e da alfabetização em particular – do conteúdo ensinado para o sujeito que aprende, ou seja, o aluno.
Duas das conseqüências mais importantes do construtivismo para a prática de sala de aula são respeitar a evolução de cada criança e compreender que um desempenho mais vagaroso não significa que ela seja menos inteligente ou dedicada que as demais. Outra noção que se torna importante para o professor é que o aprendizado não é provocado pela escola, mas pela própria mente das crianças e, portanto, elas já chegam a seu primeiro dia de aula com uma bagagem de conhecimento. “Emília mostrou que a construção se dá por sequências de hipóteses”, diz a educadora Telma Weisz, que foi aluna da psicolinguista.
O princípio de que o processo de conhecimento por parte da criança deve ser gradual corresponde aos mecanismos deduzidos por Piaget, segundo os quais cada salto cognitivo depende de uma assimilação e de uma reacomodação dos esquemas internos, que necessariamente levam tempo. É por utilizar esses esquemas intero, e não simplesmente repetir o que ouvem, que as crianças interpretam o ensino recebido. Para o construtivismo, nada mais revelador do funcionamento da mente de um aluno do que seus supostos erros, porque evidenciam como ele “releu” o conteúdo aprendido.
Para Pensar: Segundo os construtivistas, não se aprende por pedacinhos, mas por mergulhos em conjuntos de problemas que envolvem vários conceitos simultaneamente. No caso da alfabetização, utilizar textos do cotidiano é muito mais produtivo do que seguir uma cartilha. Isso não quer dizer que o ensino não deva ser objeto de planejamento e sistematização. Você, professor, costuma ficar atento ao que cada aluno já sabe para fazer com que avance em ritmo próprio?
Fonte: Revista Nova Escola – Grandes Pensadores – Julho de 2008