A educação como forma de ampliar a cidadania
Alexandre Sayad defende a inclusão da mídia no conteúdo da grade curricular dos alunos, valorizando as habilidades que os jovens já têm em comunicação, mas é contrário à criação de novas disciplinas, por decreto
Por Danilo Kossoski (urbe@jmnews.com.br)
Edição: Talita Moretto
No dia 20 de setembro, o Projeto Vamos Ler, do Jornal da Manhã (Ponta Grossa-PR), e o Serviço Social do Comércio (SESC-PG) trouxeram a Ponta Grossa o jornalista e educador Alexandre Sayad. Ele proferiu palestra no Cine Teatro Ópera, momento em que professores e profissionais da área de Educação debateram, entre outras coisas, a importância da inclusão do tema ‘mídia’ na grade curricular. Nesta entrevista, ele fala a respeito de propostas para tornar o ensino mais atrativo ao aluno, incluindo novos temas, reduzindo a evasão escolar e ampliando a compreensão das palavras Cidadania e Direitos Humanos.
Jornal da Manhã: Por que você acha que o ensino, hoje, é muito maçante?
Alexandre Sayad: Acho que, mais que maçante, ele é engessado e está longe da realidade do público dele: os jovens. Os jovens estão em um universo e a escola está em outro completamente diferente, há anos luz de distância. Esse distanciamento faz com que o ensino seja desestimulante. Independente de ser necessário ou não aprender algo, estou falando que da forma como ele é tratado, hoje, ele se torna desestimulante.
JM: Qual seria uma solução para esse problema?
Sayad: Acho que, em um mundo tão integrado, não dá pra escola tratar as disciplinas de forma segmentada. Hoje se trabalha com projetos. A teoria de educação de projeto é uma coisa da década de 60, século passado, e agora, por exemplo, ela está renascendo em uma novas proposta pelo MEC, que é o Ensino Médio inovador, ou seja, diluir as disciplinas e fazer áreas de conhecimento onde o aluno produz.
JM: Por que você diz que a Comunicação no ensino deve ser mais bem aplicada?
Sayad: A comunicação, já que o jovem está o tempo inteiro nas redes sociais e no celular, é um projeto. O projeto de comunicação pode ser algo estimulante dentro da escola e envolver todas as disciplinas que hoje estão estagnadas em aulinhas de cinquenta minutos, e que se apresentam no mesmo formato que há setenta anos. É preciso trabalhar de forma integrada esses projetos, de uma maneira que seja estimulante, e não sou eu quem está inventando isso. Estou pegando teorias que já foram pensadas e algumas até executadas fora do Brasil. São essas coisas que tornam a escola um ambiente de aprendizado e não uma obrigação ou cumprimento de tabela. E escola tem que se tornar interessante para o aluno.
JM: Quando você fala sobre a inserção de mídia no currículo escolar, a que exatamente você se refere?
Sayad: Tem a ver com meu livro, é sobre estimular o jovem a produzir comunicação. Faça seu jornal, sua rádio, seu blog, mas faça como atividade conjunta, como proposta de cidadania, envolvendo a comunidade. É nisso que tenho trabalhado e defendido como sendo a escola dos próximos tempos. Eu nunca lutei para que a Mídia seja uma disciplina da escola porque tudo que vira disciplina vira problema. Quero que seja um projeto, como já mencionei.
JM: Mais ou menos como o ‘Diário de Classe’, blogs ou páginas criadas na web por alunos que cobram melhorias para as suas escolas?
Sayad: Isso foi pra mim um exemplo cabal que aflorou, algo de que estou falando há doze anos. Quando apareceu foi um alívio, para me dizer que não sou louco. Isso é motivo de transformação da qualidade, e não é nem pelo denuncismo, mas pelo jovem ter expressão e ser parte. Se você cala o jovem, ele não faz parte da comunidade. Ele tem que se relacionar com a escola, ter voz ativa, e o professor, para mim, tem que ser um facilitador ou dificultador. Tem que propor questões, provocar, estimular, deixar que os jovens conduzam todo esse processo.
JM: O ensino ainda apresenta o vestibular como objetivo máximo. Qual o problema disso?
Sayad: Primeiro, tem um mito no Brasil de que a universidade é o único caminho de sucesso profissional. Isso é horrível. Existem áreas que não exigem curso universitário. Existem cursos técnicos muito bons, cursos de curta duração nos quais ainda se investe pouco, além de outras formações que em outros países garantem um emprego tão bom quanto a universidade. Mas a gente ainda é obcecado pela universidade. Uma questão que tende a mudar com o tempo. Nos Estados Unidos, por exemplo, além do vestibular, tem entrevista, análise de currículo, histórico de projetos sociais e uma série de outras coisas que pesam para selecionar o aluno para a universidade. Aqui o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] foi uma boa notícia porque ele veio com uma prova mais voltada para habilidades e competências que para o conteúdo. Só que, com o tempo, ele está se aproximando do vestibular e deixando de fazer sentido.
JM: Qual tem sido, ou deveria ser, o papel dos pais na educação dos jovens?
Sayad: Os pais têm delegado toda a formação para a escola, o que é um erro. A escola não tem essa função. A formação do jovem acontece na rede por onde circula. Ele vai circular na rede virtual, jogar videogame, ter grupo de amigos, vai ao cinema, ao teatro, à associação de bairro e tem a família. A família e a escola são dois pontos muito importantes. Mas, se a família delega para o resto da rede a formação, ela não tem moral alguma para exigir algo porque existem coisas que a escola não dá conta, mesmo que seja integral. E um fator da melhora na qualidade de ensino seria a aproximação e exigência maior das famílias quanto à qualidade do ensino público. Quando a família sente que está pagando pela escola pública e exige como sendo algo pago, ela começa a pressionar o poder público por qualidade. Enquanto a família for ausente e achar que o ‘lanchinho’ e o transporte está bom, o governo vai empurrando com a barriga. Pensando de forma empresarial, o aluno e os pais são clientes da escola pública e têm que exigir como tais, seja na Associação de Pais e Mestres, junto à Secretaria Municipal na cidade e coordenadorias regionais.
JM: Você é especializado em Direitos Humanos. Como isso deve ser ensinado?
Sayad: Como ensinar Filosofia. Você não senta e aprende, você precisa ter vivência de conteúdo, entender qual o seu papel na comunidade. A primeira percepção de Direitos Humanos que a escola propicia é na comunidade. Depois você vai para o âmbito federal e internacional. A primeira garantia é que você possa ser criança na tua rua, sem ninguém te obrigar a trabalhar, que tenha direito a posto de saúde de qualidade, calçada regular para não torcer o pé, que tenha semáforo e faixa de pedestre. Isso é cidadania, é isso é Direito Humano. O que eu não gostaria é de botar isso “goela abaixo” como mais uma disciplina no currículo, como aconteceu com Filosofia e Sociologia, que são maravilhosas, mas não devem ser ensinadas por força de decreto, de Medida Provisória.
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A entrevista foi publicada no caderno URBE, do Jornal da Manhã, no dia 30 de setembro de 2012.